segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

A família de que se fala e a família de que se sofre – reflexões sobre a família


Concordo que família é muito importante, e devemos fazer de tudo para formarmos bem nossos filhos e encontrar harmonia em nosso seio familiar. Mas quando converso com as pessoas costumo por o foco no fato de que a realidade é dura, e a grande maioria das famílias vivencia dramas e conflitos, simples ou graves, que comprometem muito a segurança das crianças, e o desenvolvimento psíquico do indivíduo, resultando em adultos com as mais diversas patologias psicológicas – baixa autoestima, inseguranças, medos, culpas, rancor, raiva, desmotivação, travas – com reflexos sérios e comprometedores em seus relacionamentos, vida profissional, etc. E ante discursos moralistas, “viva a família!”, me incomoda as pessoas negarem esta realidade, porque a negação impede a reciclagem, a reconstrução psicológica, o perdão, a cura. Amar nossos familiares independe das vivências passadas e respeitar nossos pais é obrigação incondicional. Mas sem negações e hipocrisias, discursos falsos, e com discernimento, compreensão, aceitação, perdão. Maturidade emocional. Daí fica mais fácil continuarmos a evoluir como pessoas, e darmos melhores contribuições aos que nos cercam, e ao mundo.

Sobre o livro “A família de que se fala e a família de que se sofre – o livro negro da família, do amor, e o sexo”

Comecei a ler este livro há algum tempo e decidi lê-lo aos poucos. Controverso, profundo, denso, provocativo, faz pensar. Acho que muitos que começaram a lê-lo poderiam mandar queimar, principalmente algumas mães.

Gaiarsa questiona os padrões de valores e comportamentos da família e suas tradições bolorentas, regras culturais rígidas, ultrapassadas, destruidoras para o formação do indivíduo e, frequentemente, de muita violência com as crianças. O autor, médico, psicoterapeuta e escritor renomado, é citado por seu “amor pelas crianças e a indignação com o que se faz em nome da educação”. Para isso, faz uso de seus 50 anos de atendimentos a centenas de famílias, baseando suas conclusões em fatos concretos, discutidos de maneira coerente, contundente, afirmando que a família “está, deveras, muito longe de ser o melhor lugar do mundo para o desenvolvimento dos seres humanos”, recomendando uma desconstrução e reconstrução de uma Educação melhor para as crianças e para a formação de indivíduos psicologicamente saudáveis e plenos.  

Reconheço a importância da família. E a entendo como a melhor das oportunidades de troca afetiva, aprendizagens. É determinante na formação do indivíduo. Independe do amor que sentimos ou não. Mas a verdade é que a grande maioria das famílias tem suas limitações, conflitos, desafetos, e verdadeiros dramas, por mais que bradem na sociedade “família é tudo”. Sim, família é tudo, ou quase tudo. Pode salvar ou matar a psique de uma criança, impulsionar ou condenar a formação de um indivíduo. E, de fato, deveria ser o local de segurança de qualquer um. Mas a quantidade de efeitos nocivos, na grande maioria das famílias, revela a hipocrisia da sociedade.

Claro que existem condições positivas, amor verdadeiro, doações e abnegações parentais e filiais dignas de admiração. Claro que devemos sempre respeito aos pais que nos deram a vida! Mas negar as dificuldades pode tornar ainda mais graves, os dramas e traumas vivenciados. Falo de dramas e traumas desde os mais diminutos aos mais graves. E ainda mais perigosos são os sutis, pois minam sorrateiramente o equilíbrio emocional e são difíceis de perceber. E para uma criança, mínimos fatos podem ser de extrema violência psíquica.

Por essas e outras preocupam-me os discursos em palestras e doutrinações de tentativas desesperadoras de dourar a pílula. Como um jovem imaturo e já com seus traumas e mágoas vai entender que a família possa ser algo bom? Desde casos graves, como ser filho de um ou ambos os pais drogados, com eventos de violência física – um pai alcoólatra, ou que espanca a esposa e os filhos, ou uma mãe que resolve tudo na pancada, à vivências aparentemente inócuas, como a simples falta de demonstração de afeto entre pais e filhos, e tantas sutilezas de palavras e comportamentos nocivos, que dia após dia se acumulam e minam a formação da pessoa, e a autoestima da criança e do adolescente. Sugiro o leitor assistir ao filme Duas Vidas, da Disney, para um exemplo básico sobre isso.

A negação é o maior dos entraves ao desenvolvimento do ser. Mecanismo de defesa do Ego paralisante. Por isso o primeiro passo é o reconhecimento dos fatos. Não. Nossos pais não são perfeitos. Ninguém o é! E saber educar não é fácil. Por isso Gaiarsa propõe que todos se preparem bem para uma Educação construtiva, antes de decidirem ter filhos.

E para o adulto já formado, fruto de tudo que viveu, já não cabe culpabilizar os pais ou quaisquer outras pessoas pelo que são hoje. É necessário discernimento para identificar as dificuldades formadas, e investir nas autossuperações, através da aceitação e do perdão.  Deixar de se vitimizar. Sem esquecer que nossos pais fizeram o melhor que podiam, dentro de suas condições. E afinal, devemos sempre ser gratos, a quem viabilizou nosso nascimento!

Se fosse considerar aqui o Paradigma Consciencial / Conscienciologia, teríamos muito mais expansão do tema, maior compreensão de tudo... mas fica para uma próxima resenha. Afinal, resolver as questões da perspectiva intrafísica e psicológica, já exige bastante investimento cognitivo e reflexivo.
Voltando ao controverso livro, insisto na recomendação da leitura – mesmo sem concordar integralmente com o autor, e mesmo que este discuta apenas dentro do Paradigma materialista. Mas não tenho dúvidas no quanto pode ajudar tanto àqueles que pretendam formar uma família inteligentemente saudável, repensando a educação às crianças, como aos adultos frutos da educação falha que receberam. É necessário sair da vitimização e reciclar as vivências mal resolvidas, ainda que precisem de ajuda profissional.

Coloco alguns links complementares dentro do Paradigma Consciencial:

Artigo: Educação Evolutiva para Crianças – leitura para pais, educadores e para quem já foi criança: https://claressencia.blogspot.com/2013/05/educacao-evolutiva-para-criancas.html
O artigo acima baseia-se em proposições Conscienciológicas de Lurdes Sá: Verbete Atitude Educativa Pró-evolução  https://www.youtube.com/watch?v=LFWNJFyaq6w
https://www.youtube.com/watch?v=zJm7B3LwfBs&t=4s Tertúlia Maternidade Amarótica

Mais informações sobre José Ângelo Gaiarsa: https://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_%C3%82ngelo_Gaiarsa

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