Somente o título para tentar aliviar o peso deste artigo. Não gostaria de publicar tantos registros negativos, mas o texto de Miriam Leitão, de quem sou fã, nos dá oportunidade de profunda reflexão.
Por Miriam Leitão pelo 08 de março
Anoitece no dia da Mulher e este silêncio do blog não é falta do que dizer. É tristeza. O caso da menina de Recife foi devastador. Não, ninguém ignora quantas meninas são vitimas da violência em suas próprias casas. Os algozes são os pais, padrastos, pessoas que deveriam estar ensinando e protegendo. Os números são muitos, os casos que aparecem na imprensa são frequentes. Mas a menina de Pernambuco doeu mais.
Talvez por ter apenas nove anos, por estar sendo estuprada desde os seis, ou porque a chantagem do padrasto era que mataria a mãe. Ou talvez porque ela é bem pequena, menor do que deveria ser para a sua idade. A menina passou anos vendo a irmã também abusada. Só a mãe das duas nada via. O que acontece que cega as mães?
A menina de Recife lembra o quanto a luta da mulher será longa. Recentemente a Sharia, um código tribal brutalmente contra a mulher, foi restabelecida em todo o Paquistão. Acaba qualquer chance de que não aconteçam casos como a da escritora do livro Desonrada, Mukhtar Mai, que foi condenada a ser estuprada publicamente porque seu irmão de 12 anos teria olhado para uma mulher de casta "superior". O suplicio de Mukhtar, com estupro público e múltiplo, só não foi mais intenso que sua força de superação. A história dessa paquistanesa choca e emociona, mas a notícia de que a Sharia, que tinha começado a ser suprimida no Paquistão, volta a ser usada em todo o país é um choque. Penso em Mukhtar naquela pequena aldeia onde ela decidiu morar e resistir com uma escola para meninas e meninos.
Normalmente eu gosto de escrever nos dias oito de março, de quanto avançamos, mostrando estatísticas de conquistas, e de quanto falta avançar, mostrando as diferenças salariais, o pequeno percentual de mulheres no poder em qualquer país, as discriminações, mas aí... veio a menina de Recife.
Ela simplesmente me enfraquece. Que números de avanços levantar para compensar essa violência?
Eu penso nela diariamente desde o dia da notícia. Não pela polêmica da Igreja Católica, porque a Igreja não me espanta. Que ela excomungue o médico, as enfermeiras, a mãe pela decisão de interrupção da gravidez e que nada diga sobre o estuprador, não me surpreende. É apenas bizarro! Medieval.
Eu penso na menina de Recife e nos debates que tenho participado nos últimos anos, sempre em março. Nesses debates sempre discordo das mulheres bem sucedidas que dizem que a luta está ganha, que o feminismo é um movimento ultrapassado, ou outros equívocos assim. Eu, feminista, confesso, minha luta e meu espanto diante da incapacidade de ver o óbvio: que cinco mil anos de opressão não se acabam em poucas décadas, que há muito a fazer, a construir, a vigiar, para que haja algum dia respeito igual. Falta tanto para o dia em que poderemos dizer que o feminismo está superado!
Mas hoje, na verdade, eu penso apenas no futuro dela: a menina curará suas feridas? Conseguirá entender e processar a violência de que foi vítima? Vai estudar, ter carreira, filhos? Vai conseguir amar um dia? Escapará das teias da reprodução da pobreza? Vai simplesmente reaprender a brincar, como deve fazer uma menina de nove anos?.
Eu podia dizer que ela desperta em mim uma fúria feminista. E é verdade, mas é uma verdade incompleta. Ela desperta em mim o sonho de protegê-la de algum modo. De embalá-la docemente e contar uma história cheia de aventuras e graça. De cantar para ela uma cantiga de roda, de brincar de pique esconde em volta da casa. De ir com ela ao cinema e comer pipoca sentada no degrau de uma escadaria. Que tal um sorvete para resfrescar o calorão?
Não sei o que é. Mas por alguma razão eu penso insistemente na menina de Recife neste dia da mulher. Penso com o coração. Eu apenas sonho que suas feridas se cicatrizem um dia.
O discurso feminista, com estatísticas e fatos eloquentes, eu o farei outro dia. Hoje eu apenas quero sonhar que a menina de Recife um dia, apesar de tudo, após tanta violência, será feliz.
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